Português Africano – Moçambique

PMO-B-2-F-a

 

Transcrição

D: então LF a primeira coisa que a gente queria saber eh… qual é a sua opinião sobre a cidade de Maputo?… né você até já passou um tempo fora daqui: [ =

L:                                                                                       [ sim

D: = então você tem até como comparar o que que você acha daqui quais são os pontos positivos o que que é negativo?

L: ah:: cidade de Maputo eu acho que cidade de Maputo já foi cidade de Maputo ((risos)) primeiro… que isso está mu:ito mudado… ah::… vivi cinco anos na Beira eh fo/foi mesmo uma época de infância que a gente não entende muita coisa… mas pelas coisas que eu via lá na Beira… eram muito/ pessoas muito agressivas… eh::… muito/ muito egoístas muito do/ muito/ muito donos de si mesmo… mas aqui em Maputo já é diferente… só que… de um momento pra cá eu posso contar por aí uns cinco seis anos pra cá parece que as coisas tão a intensificar-se muito… ah::… há um::/ uma notoriedade agora sobre a questão social… que tem a ver com:… o estar… o ser… as pessoas não tem ética não tem muito escrúpulo… eh::… e eu acho que as pessoas tiram mérito… por/ por olhar a desgraça do outro acaba tirando mérito… do me/ mérito por isso… e:… acho ruim mesmo… acho ruim porque… eu/eu por exemplo vou falar do meu bairro… pa/ passo uma situação com uma vizinha… que ela fica sempre de olho na minha casa… por PARte é bom porque eu passo mais tempo no serviço do que em casa tenho a minha filhota que sai de casa… por volta das onze vai à escola e só volta às dezessete/ sai da escola às dezessete e trinta… e eu chego à casa por volta das dezoito… então… eu tenho cães em casa… e mas um olho humano não é mal… porque eu tô mesmo numa estrada ela tá em frente da minha casa… pode vir um carro a parar… alguém a fazer algo de errado e pode me dizer… mas como ela já teve antecedentes comigo… assim de dizer “puxa… sempre vejo-te a descer de carro”… eu não vejo porque… será que não me fica bem descer de carro? ((risos)) já me fiz esse tipo de pergunta… eh::… eu/eu tenho um/ um/ um/ um companheiro… eh::… que às vezes ele aparece… e/ eu tô solteira mas eu tenho um amigo e ele aparece vem à minha casa praticamente criou minhas filhas… e ela fica fazendo per/perguntas assi:m… que eu quando a/avalio acho que essas perguntas não são pra ser feitas por pessoas que pensam… então eu acho que dentro desta/ de/ de/ desta/ de/ da/… da vizinhança tem pessoas que não me olham com bons olhos… porque eu sou muito confinada sou muito/muito caseira… quando tô em casa tô em casa… não gosto de andar em casa do/do/de vizinho fazer fofoquice não sei quantos… então eu acho que a pessoa/ as pessoas de Maputo são muito rancorosas… guardam muito rancor… eh se eu tenho ah o outro não pode ter… se/ se eu faço o outro não pode fazer… se eu tô a/ a/ a puxar a carroça pra poder chegar a um certo patamar o outro não pode fazer… então eu/ eu condeno um bocadinho este tipo de situação e a crimina/ criminalidade também que quem dá mu:ita/ muita informação aos criminosos eu acabo percebendo  que são os próprios vizinhos… sim… eu acabo percebendo assim fazendo avaliação… porque como é que um criminoso vem cinco seis sete pessoas oito pessoas assaltar uma casa que tão a viver duas pessoas? e eu acho que não precisa… é que só de entrar um bandido na minha casa com uma

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pistola eu já digo “olha carrega tudo se for possível eu saio de casa fica com a casa” ((risos))… ninguém quer morrer… então eu acho que tem/tem/tem dedo dum vizinho que dá em algum momento uma informação que conversa com alguém e diz “olha… a fulana de tal tás a ver hoje ela comprou um veets ((celular))… ontem veio descarregou algumas coisas ali… é uma só que tem dinheiro” então eu já fico na mira da/ da/ da/ dos bandidos… eu acho que também é uma/ é uma/ é uma situação um bocadinho chata… essa cidade não está preparada pra encarar esse tipo de coisas… e outra coisa é::… quando não estávamos na época de guerra… todo mundo saiu do campo veio pra cá… mas nós já não estávamos em guerra… tem MUIto terreno baldio muitas povoações lá mais pra fora que as pessoas podiam se retirar pra lá… como dizia/ minha falecida avó dizia assim… eh sem querer di/ discriminar não/ não tem nada a ver com a raça mas dizia “sabe o preto quando vem pra cidade pra calçar chinelo/ aprende a calçar chinelo não quer voltar mais pro mato… mas o lugar dele é lá no mato”… mas não/ não/ não/ não tem nada a ver com a raça não tem mesmo a ver com a pele eu acho que tem a ver com a mentalidade da pessoa… se eu fazia machamba tinha uma horta pra colher… produtos que podem me beneficiar por que que eu tenho que vir sentar ali na esquina a queimar com o sol e pouco tomate a venda? se eu posso tirar tu:do dali do campo?… eu acho que é/é a mente humana que não tá preparada pra assimilar certas situações… então:… Maputo mudou muito… tá todo mundo a sair do campo aqui pra cidade é uma cidade muito apertada… esta situação também de/ de construção… onde… a gente vai se tinha aqui/ tinha/ tinha um sítio… que tinha um espaço hoje já/ já vemos um prédio a erguer… por que que não se erguem prédios lá mais pra dentro?… eu acho que devia ser assim… porque to/fica/ todos/ tudo apertadinho tudo apertadinho e se vai ver os apartamentos que estão lá são coisinhas bem pequeninas não tem espaço eu tenho fobia eu sofro de fobia… eu tenho problemas de ir a um lugar um sítio estar assim um quarto uma coisa o meu quarto é grande eu construí um quarto grande… porque eu quero espaço eu quero respirar… por que que tem que ser assim? por que que não se constrói mais lá pra dentro? um sítio onde/ onde/ onde/ onde as pessoas podem estar à vonta:de… por que que tem que se construir aqui dentro… não há espaço pra co/ colocar um jardim… pras crianças brincarem em paz… um baloiço… um pula pula… não há espaço pra sítio nenhum… não há espaço pra estacionar o CARRO… por que que tem que ser assim?… naquele espaço que se pôs um prédio não podia se fazer parqueamentos?… eu acho que devia se descentralizar um bocadinho… a cidade tá a/ tá a pe/ tá a pe/ tá a pe/ gritar por socorro e a gente não está a ver isso… então: eu acho que esta parte também… mudou muito Maputo… não é aquele Maputo que eu conheci na minha infância não mas fazer o quê tem que estar aqui né… ((risos))

D: faz parte né?

L: faz parte sim… faz parte… mas dizendo cá entre nós… eu/ eu/ eu olho pra este Maputo eu sinto muito triste… aliás eu olho pro país no seu todo só que eu não conheço as outras províncias conheço mais… Maputo… mas eu sinto muito triste… MUITO triste mesmo… eu pago

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a taxa de lixo o lixo não é retirado na minha casa… taxa/ pago… taxa de rádio difusão mas eu não/ não fu/ não escuto rádio… quer dizer são coisinhas assim pequenas que/que/que podia ser… abolido de/ de/ de certas/ certa/ do/ do pagamento de imPOStos do pagamento de água e luz… eu acho que não/ não/ não tinha necessidade… o que tínhamos que fazer é conscientizar as pessoas que se fez lixo carrega o lixo vai meter no contentor… não espera que venha… o/ o/ o senhor do conselho municipal pra tirar lixo na sua porta… eu acho que devia ser assim… e começarmos a colocar MULtas nas pessoas que… jogam lixo de qualquer maneira… eu acho que e/ existem nas europas aí… algum país que… cobra por isso… jogou um/ uma pastilha no chão… lá vão e “o senhor jogou apanha” ou tem uma multa… a situação também dos acidentes… eu acho que quando começarmos a/ a/ a/ a/ a colocar multa nos peões… eu acho que os acidentes vão diminuir… eu começo a perceber que… eh… o ser humano tem mais medo de chuva do que de carro… é capaz de atravessar a estrada ainda mandar parar o carro pra ele… passar… eu acho que tá errado… se tem pontecas construídas pras pessoas passarem por que que as pessoas não passam?… sem querer o automobilista vai atropela alguém e ainda tem que pagar mesmo sabendo que não tem culpa… eu acho que é injusto… eu acho mesmo uma injustiça… o peão devia ser multado também devia ser penalizado levado também… depois de estar melho:r e tal leva ele ao banco dos réus… vai responder também… paga uma multa… assim as pessoas hão/ vão te/ ter consciência do quê que… do quê que é o valor da vida… eu acho que… é

D2: você falou da criminalidade mas você já foi roubada alguma vez?

L: olha… há duas/ trê:s… há um mês:… tentaram entrar na minha casa… ah: eu acordo um quarto para eh/ah:… um quarto pras quatro… quinze minutos pras quatro todos os dias… preparo que é pra/faço os meus exercícios primeiro depois preparo pra/ pra sair… e eu a sair do banho a minha filha grita “mãe ladrão ladrão”… primeiro começaram os cães… a esta hora o que é que é isso?… então ela apaga a luz do quarto e espreita lá pra fora… “mãe ladrão ladrão”… vê alguém a pular… eu tenho quatro cães… tenho um pastor tenho uma/ uma vira-lata muito muito muito fofa e dois malteses que esses dois fazem um:/ uma extravagância em casa… e:… eu digo mas ÀS QUATRO HORAS? praticamente já é/ já amanheceu… às quatro horas é hora de roubar? e eu acho que ele tava so/ele tava sozinho e vinha testar pra ver qual é… o NÍvel de segurança que eu tenho em casa… então minha filha ligou pro vizinho a frente lá saíram os outros acompanharam-nos até a paragem e:… e pronto… depois quando eu sai do serviço fui até o/o:… a esquadra próxima à minha casa pra prestar declarações… ago:ra… foi segunda ou terça-feira… a menina voltou da escola… pôs o cadeado no portão… e esqueceu-se de/ de trancar… só colocou o/o cadeado e: saiu… eram: três e tal quase quatro horas ouço “auauauau” os cães a ladrar… e eu espreito… não vejo ninguém… mas o/o/o/o cachorro mais grandão a jogar-se assim pra porta… então eu foco com uma lanterna que/que era de/de longo

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de longo alcance e foco assim com uma lanterna… caiu… o/ o cadeado… eu disse “não pode ter sido o cão que tirou o cadeado” é que mesmo sem trancar… o cão não tem como tirar o cadeado… alguém meteu a mão… sentiu que tem coisa de cadeado ali e tirou o cadeado pro chão… não sei se a ideia era pra abrir o portão e os cães saírem… e ele entrava… eu não sei… mas isso aconteceu… acho que foi terça-feira… desta semana… então… é/é complicado porque eu… como só tô eu e a minha/a minha filha caçula… ah:… nós não dormimos… eu principalmente não durmo… tenho medo tenho pavor… o mais velho tá a trabalhar tá em casa da avó que eu pedi a ele “olha vai ficar com a vó… pra cuidar dela que só tem um único neto os outros todos já abandonaram a casa… e::… a maior/ a do meio já tá noiva… tá em casa do noivo… e eu aqui só/ tô eu e ela… então dá maior medo… MUIto medo… quando ouço os cães a ladrar eu não sei/ não sei o quê que eu faço… não sei por onde começo… é… é triste…

D2: perigoso né e por que será essa criminalidade? Você acha que já vinha crescendo ou é essa crise agora?

L: é a crise… eu acho que é a crise… já tínhamos um nível de cri/de criminalidade lá no início de dois mil… bem… vamos falar de noventa e cinco a dois mil já tínhamos índice de criminalidade… mas de dois mil e cinco pra cá… as coisas tenderam a agravar-se e este/ este desemprego… eh:… tem o rico que é mais rico o pobre que está MAIS pobre ainda… eh:… a gente vai à escola eu/ eu/ eu sinto isso na pele porque eu tenho a minha/ a menina que tá/tá a fazer um curso no IPET e: ela às vezes diz “mãe eu/eu não tenho dinheiro pra lanche” e isso me dói… então eu não sei minha filha tá lá na escola e eu não sei o quê que ela pode fazer… eu não sei… pode não fazer não/ não a/ não a/ a ceder/ aderir a criminalidade mas pode fazer outras coisas pra poder ter… e eu como mãe… a se/ a seguran/ a insegurança é/ é enorme é enorme porque eu não sei o quê que pode/ só tem dezenove anos… não sei o quê que pode acontecer com ela… e eu quando chego à casa… dá: dezoito e trinta dá dezenove ela não está em casa eu já estou a ligar “filha… não estamos na rua um… isto é um caniçal alguém pode tá a arrastar eh… fico/ fico/ fico mesmo… estressada… enquanto ela não chega a casa… então eu acho mesmo que é… o índice mesmo de/ de/ de/ de/ de desnível que nós temos uns tem MUITO outros tem… MUIto pouco muito pouco então… isto também… afeta um bocadinho esta camada dos/de PObres que procuram ter… com base no/ no/ no mais rápido… eu acho que é

D: e o custo de vida tá muito alto?

L: MUITO alto… tá muito alto que:… nó:s em ci::nco vamos falar em… tamos em setembro… em nove meses nós comprávamos um saco de arroz… por aí setecentos e tal vinte e cinco quilos… setecentos e tal oitocentos agora tamos já a comprar a mil e quinhentos e tal…

D2: ah… o dobro

L: é… acabou o arroz lá em casa… ainda ontem a menina manda mensagem “mãe… já não tem arroz em casa” eu fico mal disposta porque eu começo a pensar no meu salário o quê que eu

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faço… o quê que eu faço com meu salário… eu tô por aí com sete… sete mil meticais e… duzentos… então eu começo a pensar o quê que eu faço com meu salário?… eu… pra/pra… montar uma mesa em casa eu tenho que fazer/ eu tenho que recorrer a um xitique… que faz xitique

D: o que é xitique?

L: xitique é… em vez de nós irmos depositar um dinheiro no banco… que:… a conta é a prazo… ou é poupança e tem um/ um/ um prazo pra levantamento… o quê que nós fazemos? nós apoiamos podemos contribuir nós as três aqui… eh:… mil meticais digamos assim… mil meticais e então… a senhora tem/ tem que/ tem que/ tem que comprar algo… uma cama suponhamos… e custam:… sete mil meticais nós já demos um avanço de três mil meticais… tiramos damos a si… leva esse dinheiro vai depositar à cama… então depois… sozinha vira-se… não sei como… e vai levantar a sua cama… mas nós costumamos apimentar um bocadinho isso… o quê que nós fazemos… nós tiramos mil meticais… mais cento e setenta ou duzentos meticais pro valor de uma capulana pra cada uma… então vamos à casa dela… e levamos qualquer coisa porque a vida tá difícil então levamos assim… um/uma feijoa:da… e… levamos um bo:lo uns salgadi:nhos um su:mo… como se fosse um piquenique em casa d e alguém… e… ela que é a anfitiã/ anfitriã o quê que faz?… faz lá a sua comida faz a sua saladinha tem as suas bebidinhas e recebe-nos a nós… então nós tiramos o/ o/ o/ o valor… só que o quê que acontece? muitas das vezes as pessoas recebem esse valor e acabam não sabendo o que fazer com o valor… gastam em outras coisas… então nós já/ nós não aceitamos entregar em mão… nós somos ci:nco seis… somos seis/ seis senhoras… então nós vamos/ vamos com alguém que é administradora do/ do/ do/ do grupo… vamos com alguém “olha eu gostaria de comprar este celular”… então ela chega paga… o resto que estiver a faltar eu quando recebo o outro mês pago o celular e já levo… eu depositei uma mesa… ((risos)) eu não tinha mesa em casa que eu ainda tô a construir a minha casa… não tinha mesa em casa então fui depositar uma mesa SEM CADEIRAS só a mesa ((risos))

D2: já está a caminho

L: sim já tô a caminho ((risos))

D: é um grupo de amigas?

L: sim sim… somos colegas aqui então nós fazemos isso… este mês vamos pra casa de outra… e:… [

D: [ todo mês tem um encontro?

L: sim sim temos um encontro… e é saudável porque a gente acaba conhecendo um bocadinho mais da nossa cole:ga… e: quando há doe:nça… alguma necessida:de… estamos diante de uma situação crítica a gente apoia uma a outra… e: isso é bom… isso é bom… porque só contar

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com a instituição… muita das vezes não está preparada pra nos ajudar… então a gente acaba não:… não contando MUITO com a instituição… não quer dizer que a gente não vá pedir apoio mas em vez de esperar para/ pela instituição pra nos apoiar nós já damos um avanço… então quando vem o apoio da instituição já tá meio caminho andado… sim

D: claro com certeza… você falou sobre:… eh… quando tá doe:nte… como é que é a situação dos hospitais?

L: ah:… olha eu sou doadora… mas por interesse não vou esconder isso… porque quando/ eu vou aqui ao banco de socorro eu ap/ eu pago… eu acho que agor/ ai já me perdi… eu não sei quanto é que está agora mas:… antigamente tava cento e cinquenta a consulta… SÓ pra consulta… pra darem aquele papelinho pra entrar na consulta… e:… depois do atendimento médico ali no atendimento geral pra fazer raio X fazer análises é outro valor que a gente paga

D2: paga o enfermeiro no ca:so… paga quem?

L: paga/paga mesmo na administração do/ do hospital… e:… eu como doadora… não pago nada… eu só chego lá exibo meu cartão…

D2: o que é doadora?

L: doadora de sangue

D2: ah:… [ doadora

L:        [ sim… sim… então eu pago/ pago/ pago… pago não… tiro o cartão exibo o cartão e já tenho acesso livre… mas o quê que acontece… não sou imediatamente atendida… que devia ter este privilégio [

D2:                       [ isso no hospital público?

L: no hospital público… eh:… mas o quê que acontece… há uma necessidade de melhorar-se um bocadinho os hospitais… os centros de saúde/ os postos de saúde… melhorar-se um bocadinho o atendimento que eles despacham MUITO… as senhoras lá as enfermeiras despacham MUIto o atendimento e:… muita das vezes existem até alguns erros alguma negligência na/ na/ ao atribuir as receitas… a gente toma uma:/ uma medicação que não devia ser aquela devia ser outra… então eh… é complicado e são aquelas bichas da gente sair de manhã… faz/ faz a bicha e até as doze ainda não foi atendido treze catorze não foi atendido a pessoa entra doente sai mais doente… e TEM que vir dia seguinte de novo… acorda muito cedo lá está e não consegue ser atendido… então muitas pessoas às vezes partem/ optam por subornar o enfermeiro…  se tem cem meticais “ah tá aqui de refresco… vai comprar um refresco mas atende-me lá” e depois aquela bicha que tá lá atrás… como é que fica?… eu acho deveria

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haver uma melhoria na parte de saúde também… e::… esta parte não/ eu acho que… não tá be:m… estruturada não… não está…

D2: agora você é uma batalhadora porque você pelo que eu entendi criou suas filhas sem o pai delas?

L: sim sim

D: vocês se [ separaram =

L:                [  separei

D: = cedo?

L: separei-me cedo… ah… em dois mil e um… infelizmente ele faleceu… ah… já faz quatro anos… e:… pronto… já tivemos assim um/ uma relação amigável por causa da/das/das crianças… o rapaz quis ficar com o pai ficou com o pai… e as meninas quiseram ficar comigo ficaram comigo e… fui educando elas… não sou lá aquela mãe… BOA mãe extremamente boa não não mas… graças a Deus eu acho que eduquei bem a elas… acho que eduquei be:m… a mais novita tá a fazer um curso de… dois anos no IPET de: administração de:/ gestão de recursos humanos… a outra menina que agora tá de férias de trabalho aqui com a doutora F também… ela é deficiente… e:… fez gestão de recursos humanos também já terminou… fez um curso de quase dois anos… e:… o rapaz tá a trabalhar numa:/ numa empresa:… eh de eventos… chamada Chicken Palace… uma empresa de eventos que fica aqui na UEM e é motorista lá… fez a décima segu/ graças a Deus todos eles fizeram a décima segunda… e… pronto estou a tentar na medida do possível ver se consigo encaminhar a eles né… num/ num paro porque… é a única família que eu tenho eu não tenho irmãos sou filha única… nasci sozinha mesmo… então… eu tenho uma tia aqui em Coop… que é irmã do meu pai… e a outra família tá toda distante não tá por cá… eh:

D: você teve que se [ virar =

L:                            [sim

D: = pra sobreviver?

L: sim… e casei-me muito cedo… casei-me eu tava com… treze catorze anos… com catorze anos… os meus tios tinham me tirado da escola lá na Beira… ah::… praticamente… tiraram-me da escola pra virar babá dos meus primos… e a esposa do meu tio ela maltratava-me muito… MUITO MUITO… porque aqui o/ aqui em Moça/ aqui em Maputo… não só em Maputo em Moçambique… quando nós temos um familiar a criar dentro da nossa casa… se é familiar da MULHER está tudo bem… mas se é familiar do marido quando o marido não está a mulher maltrata… são raros os casos que a gente ouve dizer que “não eu fui muito bem tratada pela esposa do meu tio”… são raros os casos… MUITO raros… e:… e eu tive/ tive a sorte/ e eu acho

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que foi/ foi Deus… que me colocou a mão… eh:… de sempre agir inteligentemente… eu fui/ acabei fugindo de casa porque ela batia-me muito… para além de ter me tirado da escola quando eu tinha a quinta classe… ela batia-me muito maltratava-me mu:ito… então acabei saindo de casa e morei na rua vivi na rua… naquela época do Machel nós não tínhamos esses contentores recheados que a gente ia lá catava comida pra comer era papelão pra cobrir… eu dormia assim numa escada qualquer

D2: em qual província? lá mesmo?

L: eh na Beira mesmo… na cidade da Beira mesmo

D2: ih mas você foi corajosa

L: e fiquei um tempo na rua… andava desca:lça andava/ pra mim eu tava feliz porque eu… tava livre daquela [senhora…

D2:               [ tava livre

L: sim… mas depo:is apareceu um senhor… que… que conheceu a minha mãe cá em Maputo… eu acho que trabalhavam juntos não me lembro muito bem na Petromoc… e reconheceu-me lá na Beira… “tu não és filha da F?” eu disse “eu sou”… “e o quê que tás aqui a fazer toda suja? quê que tás a fazer na rua?” “eu não tenho onde morar… fugi da casa dos meus tios tiraram-me da escola minha tia espanca-me”… “epá… vou te levar para casa de meu pai” e levou-me pra casa de meu pai… o senhor meu Deus tinha três mulheres em casa… ((risos)) ai Jesus… o senhor velhote… TRÊS mulheres… e tinha uma ninhada de filhos eu não imagino quantos filhos mas por aí uns vinte e tal filhos [

D2:                                        [ esse senhor [ =

L:                                                               [ esse senhor

D2: = que te pegou da rua?

L: sim… NÃO… e/e/esse senhor que me peg/ tirou da rua é FIlho do dono da casa onde ele ia-me lá deixar… ai Jesus e ele tava com tanta pressa de querer voltar pra Maputo “porque não sei quantos não sei quantos” não conseguiu vir comigo… entã:o… quando ele voltou pra Beira da/ da segunda vez teve que tratar eh… guia de marcha… porque nós pra viajarmos tínhamos que ter guia de marcha… naquela época… teve que tratar guia de marcha e eu que não tinha meios/ meus documentos todos tinham ficado lá com meu tio eu tinha medo de ir lá bater à porta pra pedir… toda a documentação da escola tudo/ tudo/ tudo/ tudo… ele lá arranjou uma mafia qualquer e conseguiu um/ uma guia de marcha e trouxe-me pra Maputo pra vir ficar com minha mãe… “epá lugar de menina como tu é ao lado da mãe”… mas o quê que acontece quando eu chego aqui na m/ na/ na cidade de Maputo pra procurar p/ pela minha mãe e não acho a minha mãe e fiquei assim diferente… depois ele tirou porque távamos aqui na Malanga

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em casa de uma irmã… tirou-me daqui… mandou-me pra Matola Gare… na Matola Gare era animado lá… eu andava de que/ de que/ de/ de/ de/ de/ de/ de trilho em trilho a ca/ a catar/ a catar eh… caju:… eh:: castanha de caju:… e:… ma:nga… pra depois irmos/ havia um comboio que saía daqui do Maputo par/ ia pra pra Ressano Garcia… então íamos ficar/ tínhamos aqueles que chamava-se majhonny jones né… agora não sei como é que se chama mas antigamente a gente dizia majhonny jones/ são aqueles mineiros que trabalhavam nas minas lá… então a gente ficava ali com bacia na/ na… na/ na cabeça a vender as manguinhas… mas era agradável porque depois íamos à machamba cortávamos lá partíamos o MIlho era maçarROca e não sei quantos… e… era muito bom porque nós comíamos aquela comidinha natura:l… que a gente olhava às vezes não tinha/ metia até nojo mas era tão bom de se comer e não sei quantos… e eu… quando este senhor procurou a minha mãe e achou a ela levou ela lá pra Matola que é pra eu voltar com… com ela pra cá pra Maputo… eu não quis… não existia química entre eu e minha mãe… não havia afinidade porque ela abandonou-me com meu/ com meu pai eu tinha dois três anos por aí… então sempre estive do lado do meu pai… então… eh:… ela tanto insistiu tanto insistiu tanto insistiu… e os donos da casa também que já eram velhinhos eu lembro da/ da esposa que chamava-se F mas o marido já não me lembro… acho que era M ou M sei lá qualquer coisa assim… então ele “não mas nós não somos da tua família tu tens que ir não podes ficar aqui conosco não sei quantos”… tá bom eu vou… VOU porque vocês tão-me a empurrar pra ir… mas a minha família é aquela que me aco:lhe… que toma conta de mim… e vocês sempre cuidaram de mim… tá bem eu vou… é mãe não é… fazer o quê… lá fui… mas em casa da minha mãe eu não go/ não nos enquadrávamos mãe e filha não havia sintonia possível… então… uma vez eu tentei eu disse “eu tenho que estudar” foi ali à escola secundária da Polana… meti minha documentação e eu disse a eles “olha eu quero começar a quinta classe onde eu… parei”… “ah mas tem que ter a documentação” “eu não tenho documentação… enquanto eu estudo eu trato da documentação… mas deixem-me estudar”… então eu ia/ eu ia/ ia pra escola… à noite… às vezes não tinha camisola não tinha sapato… tá a ver aqui a Joaquim Chissano?… aquilo era um sítio que:… não tinha estrada… chamavam de bocaria… porque tinha MU:ITO carro podre lá… MU:ITO mas MUITO era um cemitério de carros podres… e eu atravessava aquilo sozinha às vinte e duas vinte e três sozinha pra casa… um belo dia chego à casa tava a chover torrencialmente… chego à casa bato à porta a minha mãe não me abre a porta… mas eu ouço eu/ eu sei que ela tá lá dentro eu ouvi que ela tá lá dentro ela não me abre a porta… bati bati bati e eu fiquei ali fora molhou-me os livros todos molhei-me eu toda… quando o dia seguinte eu acordo vejo os meus livros… eu disse “eu não vou estudar mais… eu tenho que prime:iro arranjar formas de ser criada… eu não  vou estudar mais… e vou ficar sentada”… sentei-me… fiquei ali a minha mãe “ah não vais à escola?” “não não vou à escola”… “ah mas tu tens que ir à escola”… ai ai ai ai ai

D: se quiser pode aten[

L: [ não não não não… “não tu tens que ir à escola” eu não “eu não vou à escola eu não tenho

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condições… primeiro eu não tenho o que comer”… eu acho que toda mãe… zela pelo seu filho… único filho… eu tenho três… e eu apesar de ter deixado o rapaz com o pai… eu conseguia ganhar mil duzentos e oitenta e seis meticais aqui nesta instituição na época em que era servente… e tomava conta do meu filho… eu recebia comprava uma camisi:nha comprava uma/um calçãozi:nho comprava uns chineli:nhos e ia à casa do pai dos meus filhos “olha eu vim visitar meu filho tá aqui” e tinha mais duas atrás… eu fazia isso… agora pra minha mãe ela não conseguia fazer isso por mim… então eu disse a ela “olha eu tenho que arranjar uma forma”… mas antes de/ de/ de/ de/ de/ dela/ de/ de/ de eu conseguir arranjar uma forma o quê que aconteceu… ela quis me entregar a uma senhora sul-africana pra me levar pra África do Sul não sei com que intuito… e eu consegui fugir da casa da senhora… quando fujo da casa da senhora foi quando eu conheço o pai dos meus filhos… que a vida não foi nada fácil… NADA fácil… primeiro que era inexperiente catorze anos… tive o primeiro filho… com quinze… segundo… depois de eu ter o primeiro filho passado três meses engravidei de novo… tive a segunda… a menina… com dezesseis… e depois fiquei muito tempo… mas ele batia-me maltratava não me tratava bem não me deixava estudar e eu sempre tive esta/ esta minha maneira de ser eu gosta/ sou muito muito muito aventureira… eu quero conhecer pessoas eu quero falar eu quero conversar eu quero trocar experiências trocar ideias… eu sou assim… e ele mantinha-me assim confinada… dava na cabeça chegava be/ be/ bêbado batia-me… então houve um dia que eu disse “não eu vou deixar os meus filhos pelo menos os dois mais mais velhinhos… atingirem uma certa idade em que já sabem tomar banho sozi:nhos… já sabem dizer que dói aqui dói ali:… já sabem dizer o quê que sentem fa:lta… quando estão tristes o quê que preci:sam… e aí eu vou-me embora”… e consegui ficar quase catorze anos com ele… assim… até que um dia desses em pleno natal… eu levantei-me eu disse “já não dá… eu não vou passar natal aqui”… “ah não mas por que?” “não não não eu não vou passar natal aqui… eu vou sair”… “ah mas tu nunca viveste com ninguém… sempre tiveste aqui aliás… ah::… aqui na/ na minha casa e… nunca viveste sozinha”… “não faz mal nem que eu tenha que viver ali debaixo do/ do/ dum viaduto qualquer não tem problema… alguém vai chegar vai me dar a mão”… e peguei na minha bebê… que só tinha dois ou três aninhos… a mais novita… pus nas costas e saí… com uma mão na frente e outra atrás… e fui bater à porta dum primo da parte da minha mãe que me acolheu… quando acolheu vivi lá com ele um a:no… sim… um ano um ano e alguns meses até eu conseguir emprego aqui… que uma vez eu ligo pra/ pra/ pro administrador aqui da instituição… que ele é: amigo de fa/ de família viu praticamente a nascer… então ele diz assim “olha eu não vou te dar dinheiro” eu tava a precisar de dinheiro pra comprar um terre/ todo mundo tava a comprar terreno naquele momento… mas ele/ ele diz-me assim “eu não vou te dar dinheiro pra comprar terreno… como é que tu vais construir?… e depois como é que tu me devolves o dinheiro?… olha vai pra sítio xis… vai lá deixar ficar o teu CV e tu não me conheces”… “tá bem”… vim pra aqui deixei ficar o C/ o CV… ali onde é a Movitel antigamente era a reitoria… e… passado dez dias chamaram-me para vir começar a trabalhar como servente… a senhora que eu tenho muita estima por e:/ por ela que é a dona F

00:33:01

que tá aq/ aqui a trabalhar/ tem um gabinete aqui assim a trabalhar conosco ela que me recebeu… e ela:… olha pra mim e diz… “tu és filha do M?” eu “sim” “és neta do M?” eu “sim”… “o quê que tu tás aqui a fazer?… tu vais limpar chão?” “por que não?”… ela olhou/ e ela olhava pra mim com muita admiração mas/ mas admirada por quê? porque eu tenho uma família de intelectos… eu era a única ovelha negra da família… todo mundo/ é médico eh:… é escritor… eh:… tenho uma família de/de intelectos… e eu… nada… “ok”… pegou um balde com um mope luvas entregou-me e disse “vai lá fazer tua limpeza”… e eu comecei assim… limpei muito chão aqui nesta instituição… MUITO chão… e/ mas nunca esqueci dos meus filhos… em momento nenhum… ta/ tamos a falar é a minha filha que tava a ligar agora… por que? porque ela não me liga… já desde segunda terça feira que não me liga então fiquei zangada fiquei assim “eu também não te ligo… se tens saudades minhas vais me ligar”… então ela tá a me a ligar “quero saber o que se passa tu não me atendes”… então eu acho que mãe em momento nenhum abandona o seu filho… por coisa nenhuma a gente abandona o nosso filho… e eu sempre tive uma ideia… quando o boi nasce… quando o boi tem um vitelo… ela anda pra cima pra baixo com seu vitelo… quando os chifres nascem no seu boi nunca ouvi dizer que o boi vai dar touradas no/no/ pra tirar os chifres… anda até a hora da sua morte com os seus/ com os seus chifres…  então eu acho que… não tenho muita coisa boa pra falar… da minha mãe… em momento nenhum… mas tenho muita coisa boa pra falar do meu pai apesar de ter durado MUITO pouco… e acho que hoje se… se ele tivesse vivo quem sabe não estaria a passar por muita situação… mas o quê que eu faço?… todas as situações que eu PAsso eu tiro como lição… e aprendo a viver… com isso… porque::… não adianta a gente viver de rancor… não tenho culpa que eu sou assim que eu tive esse desti:no também não tenho culpa que eu tive esse/ e minha família também não teve culpa que eu tive este destino… então eu tento fazer o melhor pra mostrar às pessoas que eu posso… só não tenho oportunidade ou não tenho condições…

D2: mas você foi pros seus tios porque seu pai faleceu?

L: sim sim

D2: foi nesse [ momento =

L:                   [ sim sim…

D2: seu pai cuidava bem?

L: MUITO bem de mim graças a Deus eu era o xodó dele… era era o xodó dele…

D2: entendi

D: mas você foi muito forte… acho que um pouco diferente das outras… mulheres de Maputo ou não? você já/ você vê muitas mulheres que têm essa força que você tem que… pe:ga e vai cuidar dos fi:lhos [ ou =

00:35:49

L:                        [ eu tenho

D: = ainda existem muitas mulheres submissas?

L: tem muitas mulheres submissas… e eu condeno esta pa/esta parte… tem muitas mulheres submissas eu não sei se têm medo de denunciar ou têm medo de encarar a vida… eu não sei… ah eu fazia chamuças aqui pra instituição… pras minhas colegas… acordava às quatro pra fritar chamuça pra trazer uma baciazita de/pra apoiar e tal na/ na/ na/ com o chapa né… e… vinha… vinha a vender aqui… eu fazia isso dormia às vinte e três acordava às três e meia… eu fazia isso todo santo dia… depois acabei deixando porque os meus colegas não pe/pa/não me pagavam… acabei deixando… mas e/eu acho que esta parte de/ de/ de/ da submissão tem a ver também com o medo de enfrentar… a vida… a vida não é tão cual/cruel assim… e eu acho que ela não nos maltrata não ela nos dá indicações de como é que nós podemos preparar/ah/superar certas… situações… eu acho assim… posso estar errada né… cada um tem sua opinião… mas eu acho que a/que a vida mostra-nos como nós podemos superar certas situações… não deu aqui dá ali tenta da/de outr/de outra forma… agora o que nós não podemos passar/fazer é passar… uma certa situação que pode acabar com o nosso… com a nossa autoestima… que pode acabar com o nosso desejo a nossa/a nossa vontade de viver… com a nossa alegri:a… eu acho que a gente num… não pode… eu sou por acaso uma pessoa que aqui em casa/ aqui nesta casa chamam-me de rebelde… por que? porque quando alguém fala alguma coisa que não (tomo) NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO… NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO… não quero saber se é duplo licenciado se é mestre ou se é professor doutor eu já não concordo não concordo e pronto… respeita eu não concordo… agora NÃO me humilhe… porque tens um grau de li/ de licenciatura… isso eu não admito… se eu lhe respeito respeita-me também porque eu so/sou ser humano… e eu condeno MUITO… o que se passa na/ não/ não não vou falar daqui que eu ainda não presenciei uma situação destas… mas em outros sítios já ouvi alguns/ alguns colegas que di/algumas pessoas que dizem que não… eh “na/ na empresa onde eu trabalho o chefe faz-me isto faz-me aquilo”… eu disse “não aceita ser submisso”… submissão é uma coisa respeito é outra coisa… temos que saber diferenciar isso… trata a pessoa com TODO o respeito mas não aceitar fazer coisas que não estão a sua altura… não pode… entã:o eu acho que esta parte::… a mulher tá ainda… eu acho que a mulher tem que a/tem que abrir um bocadinho a… a mente quanto a esta parte… casamento não dá não dá vamos sair… vamos tentar a vida… carrega a sua trouxa quando eu chamo trouxa digo os nossos filhos… põe na cabeça põe nas costas e vamos… nem que tenha/seja pra fazer uma hortinha ali… se for dar lucro/lucros… vamos fazer uma hortinha… em algum momento vai dar lucros… entã:o… ainda tem muita mulher que/ que chora… no lar… MUIta muita mulher… mas também tem muita mulher que tá a estuda:r… que quer se supera:r… que quer ter uma vida indepe:ndente… tem muita mulher também… tem

D2: porque aqui ainda tem mulheres que aceitam… o que: você nos contou né… o homem ter várias mulhe:res

00:39:11

L: sim sim sim

D2: e às vezes nem concordam mas aceitam… [ ou concordam?

L:                                                               [ aceitam… con/… há quem/há/ há quem não concorda e aceita… é isto que eu estava a falar há pouco… porque a pessoa não tem uma visão não acha que/não/ não se acha com o pode:r de superar sozinha… então procura mesmo sabendo que este homem tem outra mulher… ela prefere estar ali… porque sabe que prontos… “ao final do mês ou ao final de semana há de me trazer qualquer coisa… e eu vou vou vivendo assim”… quer dizer contenta-se com pouco… pra ela tá tudo bem… e eu acho que… que esta parte também tá… tá errada… tá errada e que nós temos que batalhar e não existe coisa tão bo:a tão bonita que a gente se superar… sentir que olha… eu suei a camisola transpirei… uh… mas cheguei… ui tô a cheirar à caatinga como eu estou mas CHEGUEI… vou tomar um BAnho e vou descansar com a consciência tranquila… eu acho que não há:: melhor coisa que isso… e/e depois qual é/qual é o sentimento que/ que/ que nos entra aqui assim na/na/no coração… quando a gente olha pra aquele casamento destruído porque eu sou uma intrusa lá… eu sou uma intrusa… ele vem todo carinhoso porque “ai eu compro-te um celular” “ah tá aqui” “ai ele gosta de mim”… e eu não parei pra perguntar a ele se comprou pra mulher dele… aí está… comprou pra mim um celular de marca… ai… “comprou pra sua mulher?… que é a mãe dos seus filhos… que é quem engoma a tua calça? lava a tua roupa? põe comidinha quente na mesa? põe-te um balde de água pra tomar ba:nho?”… será?… eu acho que nós mulheres tínhamos que tomar um bocadinho de consciência sobre isso também sim… tentar procurar saber… “tu tás a conquistar-me és casado?” “ah não meu casamento não está bom” “ah não tá bom? tenta fazê-lo estar bom… tenta fazer estar… agora se não está BOM… por VOSSA causa… separa… não houve um entendimento separa e procura-me quando estiver divorciado”… eu acho que se aparecesse meia dúzia de mulheres a fazer isto… eu acho que o/os casamentos iam melhorar um bocadinho… mas não… se aparece alguém agora e diz-me “F olha eu não tô bem no casamento” porque eu tô solteira né hei de querer então meter-me com ele… “ah não… quem sabe e/ele vira não/ele vai virar pra outra e vai dizer “ah já não te quero mais… ah porque arranjei outra”… agora eu pergunto será que vai deixar/ela vai ficar bem/de bem comigo? não vai… amanhã deixa-me a mim vai procurar outra pelas MESMAS circunstâncias… então

D2: com certeza… a história se repete né?

L: sim… vi/vi/vira um ciclo vicioso…

D2: agora deve te dar muito orgulho ver seus filhos bem né?

L: ah [ graças a Deus

D2:     [ educar os filhos é: difícil não é?

00:42:15

L: MUITO difí/principalmente eu que tenho UM rapaz… eu só tenho um rapaz… por vezes ele se rebela contra mim “tu mã:e… tu não gostas de mi:m”… e às vezes a gente discu:te… “não não não é porque eu não gosto de ti… eu gosto de ti só que tu és homem… tu és homem e sendo homem tu tens que ter POSTURA do homem… tem que ir à luta… não esmoreça… levanta a cabeça vai à luta… se eu como mulher conseGUI… imagina tua irmã… tu tens uma irmã defiente/de/deficiente e ela consegue… e tu que tens tudo no lugar o quê que te faz… baixar a cabeça? VAI”

D2: a sua filha nasceu deficiente?

L: ela contraiu uma osteomielite com oito aninhos… e: perdeu o fêmur não tem o fêmur… e pronto… desde lá nunca mais consegui ajudar a minha filha a teve/ ter/ ah/ah… mui/muitas operações… foram cinco anos a ser operada anualmente a ser operada aí… pronto… o médico disse “ah só podíamos amputar a perna” eu disse “não… a perna da minha filha ninguém vai tirar… se ela tiver que andar de muleta ela vai andar de muleta… mas ninguém tira a perna… deixa ela com a perna dela… não está a fazer mal neNHUM… ela tá bem de saúde… então deixa ela”… “ah posteriormente ela pode ter pro/problemas… pra conceber”… “deixa ela que Deus vai operar… deixa ela”  está aí tá com vinte e sete aninhos…

D2: e trabalha né?

L: sim trabalha é uma boa dona de casa cozi:nha lava

D2: ela anda de muletas?

L: anda com uma muleta… dança… toma uns copitos… [ MUITO =

D:                                                                                 [ que ótimo

L: = extrovertida… muito… muito…

D2: aprendeu com a mãe…

L: óh ((risos))

D: então diz pra gente… você que é uma pessoa MUITO forte assim… um exemplo de vida pra gente… você é uma pessoa religiosa?

L: não… não sou religiosa… mas creio em Deus

D2: já notamos

L: creio em Deus… tenho muita fé… mas não sou muito de ir à igre:ja não sei quantos porque… eu já falei isso anteriormente com algumas pessoas que me criticaram e me criticam até agora… ah… o ir à igreja não significa crer em Deus… eu posso estar lá só pra ouvir o pastor a falar “ai aleluia ai aleluia” acabou… e saio da igreja e vou fazer as mes-mas coi-sas que eu faço

00:44:40

sempre… eu acho que a igreja está em nós mesmos… nós sabermos ouvir uma crítica… nós sab/sabermos dizer que “não… a pessoa tá certa… criticou-me… a pessoa tá certa… eu errei nisto eu tenho que redimir-me da/do meu erro”… eu acho que a igreja está dentro de nós… não adianta a gente ir à igreja e aqui em Moçambique há muito isso… a gente vai à igreja pra bater palma “ah glória aleluia ai tá tudo bem” e quando sai estamos a invejar… estamos a falar mal do outro… estamos a:/ a/ a/ a/ a cobiçar o marido da outra… tamos a fazer TUdo que é ruim… então eu vou à igreja pra quê?

D2: verdade… e tem muitas religiões aqui mas há muitas igrejas agora universa:l protestantes… e evangélicas não é?

L: sim… sim sim…

D2: mas tem católicos também? [ muçulmanos?

L: tem cató:licos tem muçulmanos tem maziones… eh… te::m a igreja universal tem a igreja mundial tem metodi:sta… te::m evangelista… tem… tem muitas igrejas… inclusive tem algumas que eu acho que são seitas… e não são igrejas… perdão… tem uma igreja que já ouvi falar mas nunca ouv/vi… que dizem que a gente vai a/ a/ a/ a essa igreja à noite… e tem que tirar a roupa… ficar pelado… [ =

D:                               [((risos)) quê isso?

L: = eu não sei que igreja é essa

D: meu Deus

L: já ouvi falar muito disso… só que de um momento pra outro tá um bocadinho calmo já ninguém fala nisso… não sei se foi/ [ se foram =

D2:                                                [ que curioso

L: = fecharam essa igreja não sei mais… isso é verdade

D: que isso [ gente

L:             [ vai-se à igreja… tira-se a roupa… fica homens de um lado… mulheres de outro… não entram cria:nças

D: o quê que essas pessoas fazem nessa igreja gente?

L: não sei

D2: ((risos)) e/e dessas todas que você citou tem alguma que seja BEM tradicional de Moçambique? só em Moçambique tenha… essa mazione por exemplo ela é/ é moçambicana eu acho

L: é moçambicana sim…

00:46:46

D2: tem diferença das outras? você tem alguma [ noção?

L:                                                                     [ tem um bocadinho de diferença das outras sim porque:… é uma igreja que usa muito::… como é que eu digo?… tá a ver o curandeiro?

D2: ah

L: tudo que o curandeiro faz… a igreja mazione faz… mas o que que acontece… eles colocam a palavra de Deus… difere:nte [ do curandeiro =

D:                                          [ do curandeiro

L: = que usa bú:zios… usa/ usa… nava:lhas pra fascinar e não sei quantos… mas… a igreja mazione eles usam linhas… chama/em língua local chama-se xifungo… usam linhas eh:: às vezes já… há grupos que vão ali ao mar pra… pra: mergulhar… chama/chamam de ubuquama… metem/ metem lá:… as pessoas na/ na água… ficam metendo tirando metendo tirando dizem que é pra afastar os maus espíritos… ou pra buscar a algo não sei o que é… e usa muito::… PAnos… podem mandar fazer um vestido pra si… esse vestido vão pôr a/ a/ a/ a imagem da lu:a… ou do so:l… ou da estre:la… e depois tem que fazer o:/o/ o lenço também… que diz que isso são os nossos antepassados que pedem

D2: então é bem diferente [ =

L:                    [ é é bem

D2: = das cristãs?

L: sim é bem [ diferente

D2:                [ é bem local… bem [ tradicional

L:                                                [ a gente vai à igreja cristã a gente senta ali ah “ave maria cheia de graça o senhor é conosco” “pai nosso” e não sei quanto… e acabou… tá a levantar tem aqueles livrinhos… a gente lê não sei quantos… mas eu vou lhe dizer uma coisa… eu sou muito a favor da igreja evangelista… porque ela abre a bíblia e ensina o que vem lá na bli/na bíblia… realmente… a igreja católica não é falar mal… ela não ensina não mostra os ensinamentos de Deus… quer dizer a gente vai e adora uma imagem que tá ali… eu não nasci pra adorar imagem nenhuma… eu tenho que ter a minha fé eu não tenho que ter fé em imagem nenhuma… eu tenho que ter fé naquilo que eu não vejo no invisível… então… eu acho que… não/na/na/não tan/não tanto criticar a igreja mas eu acho que devia melhorar a forma como eles evangelizam… mudar… a maneira deles evangelizarem porque… eh o que/ o que se aprende lá na igreja católica quando entra na igreja… ah/ eh/ evangelista é/é diferente… MUITO diferente… praticamente não há… e/ e na igreja católica eles deixam ir a/ao curandeiro… mas na igreja evangelista se está ali a adorar a Deus e a adorar a Deus… não é pra ir a/ a… como é que sai da igreja vai ao curandeiro?… então eu não tô na igreja… eu tô::… assim balançada…

00:49:47

eu tô em meio termo

D2: agora isso que a gente ouve falar de magia é outra coisa… ou é o curandeiro faz também?

L: existe [ existe =

D2:       [ às vezes até pra fazer um mal a alguém tem isso também?

L: = existe curandeiro existe curandeiro e existe feiticeiro…

D2: ah::

L: existe curandeiro e existe feiticeiro… eu parto do princípio que o curandeiro cura… se eu estou com algum problema eu vou lá bato à porta o curandeiro cura… é o que eu costumo a dizer… olha se eu vou ao curandeiro o curandeiro não tem que me estar a contar o quê que os/o meu vizinho fez… “ah porque existe uma tia tua que tem raiva de ti porque não sei quantos fez isto”… eu não vou lá pra isso… torceu-me o pé… eu fui ao hospital tratei no hospital e não está a passar… eu venho pra ter consigo… porque eles têm um método… eles vacinam pra tirar aquele sangue coagulado… e depois colocam um medicamento lá… e passa a dor um tempo a/a/o/ o pé torcido que dói passa… a dor passa… então quando eu vou ao curandeiro eu não quero ir saber porque que… o/o meu colega fala mal de mim… não não não… e o curandeiro que fala mal de alguém da família… esse não é curandeiro… é feiticeiro… eu vou com um problema de saúde que “olha eu tô com uma dor de estômago há muito tempo e eu não sei o que que tomo já tomei este medicamento aquele medicamento o quê que se passa não sei quantos”… é por isso que…/não vou esconder… já fui a um curandeiro… eu tava mal dos pés eu já fui a um curandeiro… e foi me contar “ah porque lá na” ”eu não quero saber quem fez… o quê que eu vou fazer com esta pessoa? se já fez… eu quero tratar-me… trata-me… se conseguir se não conseguir diga também”… eu acho que é assim

D2: não mistura as coisas não é… [ se é =

L:                                                   [ não não não não…

D2: = pra tratar é pra tratar…

L: não não não não… mas DENtro da fei/ do curandeirismo existe a feitiçaria… está lá um curandeiro que de uma parte cura e da outra parte destrói… e é mais fácil destruir do que curar… eu não/ não aceito comida de qualquer pessoa… que chega “ah partilhar um bocadinho ah partilhar” não não não não porque tudo que entra pra voltar a sair… ((risos)) aqui em Moçambique… xih:… eu não como comida de qualquer pessoa… não como

D2: que pode ter alguma [ feitiçaria?

L:                         [ pode… pode ter posto qualquer coisa ali… eu não sei… como tá muito bonitinho como e… depois passo mal… e [ tudo =

00:52:06

D2:                                                            [ tem que ter sempre cuidado né?

L: = que entra sai… tem que/ tem que ter sempre cuidado… sempre cuidado… então o/… é assim… o prato que/que/quando vou a casa de alguém ou quando estamos num/num/num evento ou o que /eu levo o meu prato e vou servir… e venho se/tenho que acabar não há isto de levantar… ir pra ali deixar comida aqui pra depois vir comer… não não não… o meu copo o meu prato eu acabo… e depois é que levanto e vou pra onde eu quero ir… e quando eu quiser comer de novo vou buscar outro prato… se/porque eu já conheço já sei como é que são as coisas… principalmente na bebida é que se apanham as pessoas… então

D2: e essas tradições daqui… eh como você nos contou agora tantas coisas que a gente não sabia da religião e tudo… também acontecem muitas outras tradições? por exemplo os casamentos os funera:is… a sua família vive essas tradições de Moçambi:que… o lob/ ((tosse)) tem o lobolo né… você educou suas [ fi:lhas assim =

L:                                                        [ si:m…

D2:  = ou não?

L: eh… ano passado a minha filha foi fo/fo/ o no/o noivo dela veio/ veio noivar/ veio pedir a mão da menina né… eh:: a minha sogra ou melhor a minha ex-sogra fica melhor assim ((risos))… a minha ex-sogra a avó deles… da/porque é a mãe do pai né? diz-me assim… “ah eu não quero que a minha neta seja lobolada”… “ok”… e eu fiquei calada como tinha muita ge:nte… eu fiquei calada… então a madrinha da minha filha diz “comadre ouviste isso?” “ouvi… em momento certo eu vou lhe dar a resposta deixa os visitantes irem-se embora”… quando os visitantes se foram embora eu sentei-me com ela eu “mãe… a mãe está-me a dizer agora que não quer que a sua neta seja lobolada pra depois morre:r e me exigir lobolo depois de morta?”

D2: ah porque isso pode acontecer?

L: sim sim sim sim sim… a vida dela não corre… fica estagna:da… as coisas não andam be:m… corre o risco até de ir pra casa do marido e não conceber… porque não foi lobolada

D2: então o lobolo é muito importante?

L: é muito importante… então eu disse “mãe… o lobolo vai ser feito… porque é um casamento tradicional… então ESTE casamento tradicional tem que ser feito pra que a miúda… pra/pra/pra pra que vocês já ABRAM os caminhos da miúda… e depois vai-se fazer o lobolo da minha casa… depois o casamento da minha casa… que na minha casa não há lobolo… nunca ouvi falar de uma/de um/dum casamento da/das minhas primas… que/que foram loboladas não… vem noivar trazer uma caixinha de refresco uma caixinha de cerveja… eh… co/como as coisas agora estão… tão/tão mesmo em cri/tamos todos em crise… cada um traz o seu prato e vem sentamos “olha vim me apresentar e não sei quantos” e… e pronto já acabou… e depois já paga-se o casamento… mais nada… agora tem uma coisa que se chama xiguiane

00:55:34

D: o que é xiguiane?

L: xiguia:ne é/ é uma festa que se faz no último dia do casamento… que a gente carrega os presentes TODOS pra casa da noiva… mas o que que acontece… ultimamente isto está sendo perigoso

D2: podem roubar?

L: não… tem sempre alguém que faz um malfeito… coloca qualquer coisa nas coisas… nos presentes quer dizer… falado assim em/em resumo… vão entregar presentes e presentinhos… os presentinhos são essas coisinhas né… que vão junto… então de repente ela pode ficar doe:nte… ela pode/ pode ter problemas lá com o casamento… e: o/ pode não concebe:r… por causa desta situação… então o que que acontece… todos os presentes agora… já/ já/ já/ já ouvi falar de certas/ certas/ certas famílias que fizeram isso é num quarto mete-se tudo lá deixa-se ficar lá… e depois dela ir… pra casa da/da/da/do esposo… passado um mês:… ou dois meses… a gente chama alguém pra vir benzer as coisas vir orar pelas coisas… e levamos e vamos deixar em casa dela

D2: e aí ninguém fica sabendo?

L: ninguém fica sabendo

D2: é mais seguro?

L: sim é mais seguro… porque tem muita maldade… ah: povo moçambicano adora fazer maldade ((risos))… não o povo moçambicano adora fazer maldade… “não tu não sobes”… ah… tá a puxar a pessoa pra baixo… não não não não… não… adora fazer maldade… e eu/eu não confio/eu tive uma chefe cubana que ela dizia assim “sempre é bom confiar desconfiando”… então eu olho mu:ito pra atitude da pessoa como é que a pessoa me o:lha como é que/como é que a pessoa fala comi:go eu sou mu:ito observadora quanto a isso mas sempre rindo… sempre rindo… as pessoas às vezes dizem “mas tu és cínica” eu “não não não não não sou cínica… sou precavida isso sim”

D: ((risos)) apesar de tudo você é uma pessoa feliz até não é?

L: MUITO muito… não tô dizendo pra te/não quer dizer que não vá escorregar… um dia escorrego… todo mundo tá sujeito a isso… mas… eh:

D2: agora então sua filha vai ser lobolada ainda… ou já [ foi?  

L:                                                                           [ ainda vai ser lobolada [ =  

D2:                                                                                                             [ainda vai ser

L: = sim ela [ ainda vai ser bolada… [ =

00:57:56

 

D2: ah:  [ai que bonito… vai passar por [ =

L: = vai ser lobo/lobolada na casa do/da

D2: = todas as etapas…

L: sim tem que passar todas as fases… porque a velha tá a dizer que “não não não” ela como trabalha em casa de/ de portugueses… ela acha-se a portuGUEsa… “não não não não”… ((risos)) mas eu/ eu vou pela cor né… eu vou pela cor

D2: claro

L: e o/antes de falecer o pai falou “minhas filhas tem que ser loboladas”… e imagina agora de morto… não é pra ir bater todo santo/toda santa noite na casa da/do ca/do casal a pedir lobolo… mesmo depois de/depois de estar debaixo da terra há sete/há se/há quatro anos… então vamos seguir as fases TODAS… eu não tenho vergonha de estar sentada ali na este:ira… amarrar aquela capulana com o mocu:me… me/ mocume é aquela capulana gra:nde que põe uma renda assim no meio…

D2: eu não conheço… é grandona?

L: é mu:ito grande… junta-se três ou quatro capulanas depois panham um mocume/uma renda assim no meio… às vezes a gente estende na/na/na/na cama fica bonito até… e tem outra capulana igual ao mocume… então as velhotas usam muito isso… e oferecer um mocume ou uma capulana a uma velhota aqui oh:… ganhou o dia… então… eu não tenho vergonha/ não tenho vergonha de sentar ali… façam-me de ve:lha… desde o momento que as coisas dos meus filhos corram bem não tenho vergo/eu sento ali com gosto… cubram aquelas coisas todas… mas assim/os passos todos tão a ser seguidos… se amaNHÃ houver qualquer coisa errada já não vai ser por causa do casamento… ou do lobolo… vai ser por causa de outra coisa… então… “ah não mas… tá bem… então pode ser aqui em casa”… eu “ah então queria lobolo?”

D2: tava disfarçando ((risos))

L: não tem problema o lobolo vai ser na sua casa mesmo… ali onde ela nasceu vai ser ali mesmo… e a miúda disse “não eu quero sair casada da casa da minha mãe”… e ela bate na mesma tecla “não não não” “tens que vir de vestido de noiva aqui” ela disse “não vó… eu quero sair casada da casa da minha mãe/vestida de noiva da casa da minha mãe… minha mãe é que me criou”… “não não não tem que ser daqui”… “então prontos não vou casar… que se faça o lobolo e vou pra casa da/da m/”… e eu disse isso a ela… eu disse “filha… não te preocupes… mais dia menos dia essa senhora bate a caçoleta”… mais dia menos dia ela vai pro inferno ou sei lá pro diabo que lhe carregue… ma:s… depois casas… depois que ela vai tu te casas… mas

01:00:21

neste momento vamos centrar no lobolo

D2: ((risos)) ai… essa foi [ ótima

L:                             [ sim não… mas é assim… é que tem que… quando a gente pensa que a pessoa tá a ser inteligente tá a ser esperta… a gente tem que tentar ser mais esperto que ele… então eu disse assim “não te preocupes com o casamento… enquanto eu tiver viva tu vais te casar… mas esta está mais pra lá do que pra cá… faça as coisas todas em [ casamento”

D2:                                                                                                                 [ porque você pode fazer o lobolo e esperar… não precisa casar logo depois pode [ esperar

L:                                                                                       [ não não pode pode esperar…

D2: e a mãe do noivo? não faz questão de nada? a mãe do noivo da sua filha?

L: ah:

D2: ela aceita?

L: ela também faleceu e::

D2: ah já faleceu

L: não esteve… mas eh… acredito que se ela tivesse viva:… ela havia de aceitar normalmente… eu ah… pelo o que eu soube da pessoa… eu acho que ela foi uma pessoa muito culta… era uma médica… muito culta intelecta então eu acho que [algumas coisas ela havia =

D2:                                                                                   [ respeitava

L: = havia de pular… e apanhando uma desmiolada que nem eu então tinha que pular muita coisa

D2: ((risos)) você criou sua filha como você eh por exemplo… sua filha você acha que vai ser submissa ao marido?

L: não

D2: não vai.?

L: não [ vai

D2:        [ mas serve o marido… isso é: comum… servir a me:sa… [ isso =

L: si:m sim serve

D2: = é bem da cultura

L: serve… e eu digo “olha trata teu marido… MUITO bem… apesar de eles nunca merecerem

01:01:46

né… mas trata muito bem a ele… epá vo/você escolheu a peste… é ele mesmo não tem como” ((risos))… só que há uma coisa… eu/eu falei com/com/com/com o marido/ com o noivo… eu sentei eu disse “olha meu filho… é assim… esta menina saiu daqui e não vai mudar isso NUNCA… tu podes me tratar mal e eu sou uma pessoa muito;… liberal… trata-me mal como sogra… não tem… põem-me ali no lixo ali no canto não tem problema… só que não toca com aquilo que é meu”… ah… aí/ aí eu ten/aí ele vai ter que ajustar as contas comigo… “minha filha você não toca… não é porque lobolou” porque existe MUITO disso… “ah eu lobolei a ela” e já quer bater…

D: uhn:

L: sim sim sim sim… [ =

D2:                    [ (comprou)

L: = muitas mulheres são… são submissas aqui também por causa disso porque acham que quando foi fazer o lobolo pagou quinhentos meticais trouxe uma caixa de cerveja comprou aquelas roupinhas todas… porque compra-se tudo isso… compra-se a roupa pra/pra noiva roupa da mãe roupa do pai… roupa do tio ou avó se não estou em erro… leva-se numa mala… leva-se uma caixa de cerveja uma caixa de/de/de refresco e um garrafão de vinho… e uma garrafa pequena de vinho branco pra fazer neneca… é o ritual

D2: o que é fazer neneca?

L: neneca é… é/é tipo… tô a por o bebê nas costas… é como se estivesse com o bebê nas costas…  então tem que seguir-se aquele ritual todo… então… e põe-se um valor… eu como mãe posso dizer… “uhn: paga-me mil meticais”… e destroco aqueles mil meticais em notas de cinquenta cem duzentos e na esteira a gente põe… em cima da esteira com um lenço… e tal… e: vai-se fazendo o/o/o/o/o:/a cerimônia… só que o quê que acontece… no dia que o/o/o marido levanta a voz pra ela… não sei se ela mentalizou que foi compra:da com aqueles mil meticais… ela “sim sim sim papá”… que “papá” que nada você não é meu pai… e eu acho que tá errado… não não não não não você não é meu pai você é meu marido você dorme comigo meu pai não dorme comigo… então eu acho que esta parte aqui a mulher não tem… não tem… quer dizer ela não se valoriza… ela acha que foi vendida por mil meticais… não… é um valor simbólico porque eu/eu tenho que/tem aquilo que se chama (cupacha)… que a gente ajoelha e diz aos defuntos… “muito obrigada aconteceu isto aconteceu isto vocês me deram um filho o filho já cresceu… então vai pra o lar e peço pra que vocês abram os caminhos do meu filho… ou da minha filha”

D2: tem uma oração numa certa [ hora =

L:                                                     [ sim

D2: = entregando o [ filho e a filha

01:04:36

L:                    [ sim… sim… então mas não é… não… não é isso tudo entregar a filha… imagina eu entregar [ a minha filha

D2:               [ sim… entregar o lobolo só

L: sim entregamos pro lobolo… que a cerimônia foi feita correu muito bem está aqui… abram os caminhos… e ela vai… mas agora se foi não é pra que a cada momento ele vai tomar um porrezito volta pra casa e espanca a minha filha… ah não…

D: de jeito nenhum

L: não

D2: não se deve aceitar isso infelizmente muita mulher aceita

L: aceita

D2: que… que/ em todas as classes sociais isso acontece?

L: acontece sim… em todas as classes sociais ac/acontece… bem agora… porque eu tenho um pouquinho mais de dinheiro como MULHER… o que resta fazer é carregar/pegar em mim… e ir-me embora… eu… eu me garanto… não preciso dele pra nada

D2: por isso é importante a independência financeira da mulher

L: sim…

D2: que aí ela toma coragem

L: eu digo às menina “olha façam o seguinte… podem não tomar isso muito a peito mas no dia que eu não estiver mais aqui nesta… nesta terra… vocês vão se lembrar disso… estudem… tem uma coisa que ninguém vos arranca… é o vosso canudo o vosso título… que mesmo depois de MORto a gente vai cha/ vai continuar chamar “doutora F”… mesmo depois de mor/”ih lembra-se da doutora F?”… agora ninguém… ninguém vais dizer assim “ah és mulher do fulano de tal” ninguém vai dizer isso… separou separou… esqueceu-se… então estudem que é muito bom… e: vai garantir o vosso fuTUro financeiro primeiro… ele não vai olhar muito pra/ pra si e dizer assim “ah ela depende de mim”… é péssimo… eu passei por um ano muito por isso então

D2: nós já estamos mais indo pro fim da conversa porque você já ensinou tudo a gente nem precisa perguntar… antes da gente perguntar você já vem e diz… é muito bom conversar com você… nós queríamos falar um pouquinho agora sobre as línguas daqui… você nos ensinou agora aí muitos nomes… você conhece muito bem changa:na… fala as línguas [ loca:is =  

L:                                                                                                                         [ falo falo

D2: = e aprendeu primeiro português?

L: sim sim

01:06:58

D2: ma:s… o que você acha das LÍNguas… não deveríamos cultivar mais as línguas aqui parece que tem crianças que já estão falando mais português do que changana quê que você pensa sobre isso?

L: olha tocou num ponto que eu sempre tenho criticado… ah… que é esta questão de línguas… as vezes eu tô a falar ali com os meus alunos ali no se/no/no/no meu departamento nos corredores… e então “ah mas mãe eu não sei o que que é isso” eu “desculpe lá… vem da onde?” se não é daqui da província de Maputo… até entendo… porque eu também não sei falar língua de outro/ de outra província… mas não saber falar língua daqui… onde você nasceu… eu não aceito… eu não acredito que isso esteja a acontecer… e eu acho que dentro das escolas devia haver uma/uma/uma disciplima/disciplina que se chama linguística… ou algum outro nome qualquer que se inventaria… mas que deviam aprender a falar as línguas locais deviam… porque suponhamos que estas mesmas crianças se encontram com alguém no caminho e tem dificuldades de falar português… e a criança parece… tá a falar português com uma senhora de sessenta setenta anos que não entende o português… como é que fica? eu acho lastimável isso… porque a outros tempos nós sabíamos falar um pouco da língua cha/língua local… e crescemos a falar este/esta língua local… o/o/o/o meu filho não sabe falar muito bem falar o/o/o changana… tropeça em algumas vezes… mas ele/ele percebe muito bem… e às vezes até responde… a minha filha esta que tá noiva ela fala MUIto bem changana… a do/ a/a/a::… a mais nova também… então eu em casa/ quando tô em casa eu falo muito changana com eles… falo ronga/eu misturo changana ronga tudo… e falo muito bem com eles… e isso dá-lhes a chance de chegar num/ num ambiente onde tem muitas mamanas sentadas que não entendem o português e cumprimentar saudavelmente… falar saudavelmente com eles sem ter nenhuma restrição… e elas também não ficam com uma percepção da/das pessoas que chegaram… sabem que epá pronto são jovens mas estão aqui conosco… e a/o ambiente é outro… então eu acho que nas escolas devia haver também esse/essa disciplina

D: porque consegue ter comunicação com todo mundo [ né =

L:                                                                                    [ sim sim

D: = vai conversar com jovem vai conversar com senhores… todo mundo consegue [ se comunicar…

L:                                                                                                                                        [ eu não/ eu não sei falar inglês… eu:… às vezes tropeço… ah em casa a minha filha a mais nova que ela é muito de músicas rap e não sei quê quê… ela fala essas coisinhas… eu digo “what?”… ((risos)) ela… ela diz assim “ah: dona F… até parece que sabes falar inglês”… eu realmente não sei… mas quando aparece alguém pra falar inglês comigo eu tento ser o má:ximo prestativa pra ver se aprendo também… e às vezes até pergunto em português pra quem está a falar inglês pergunto em português que não/acaba não… aprenden/não não entendendo nada… eu

01:10:11

pergunto mas “desculpa eu não sei o que que disse” e ele fica na mesma… eu tipo “eu não sei o que ela tá a dizer”… e já atendi várias pessoas quando eu era recepcionista assim… e depois eu via que olha eu tô a/ tô/ tô/ tô a enrolar-me toda e a/nisto a pessoa vai acabar saindo daqui sem a informação que quer… ((risos)) então… exatamente eu “doutora tem aqui um… um cidadão aqui que tá a falar em inglês eu não entendo patavina… a doutora sabe?” “ah eu não sei” “mas conhece alguém que/que saibas falar inglês?”… “ah fala com a doutora F”… “tá bom obrigada obrigada” e ele ficava assim a olhar pra mim… e eu depois…/ficava assim atrapalhada… “just a moment please please”… eu só sabia dizer isso… e lá ia de novo perguntar a tictictic “doutora por favor… tô a pedir pra vir fa/a correr pra vir falar com esse cidadão se não nós perdemos aqui um cliente… por favor… mas ve:m eu tô a pedir por favor” e lá vinha a correr pra falar com o senhor ((risos))… e eu achava aquilo uma graça… aí depois ela terminava e ela dizia “F aprende inglês”… eu “nesta altura doutora… eu não aprendo mais nada”

D2: ah do jeito que você é forte aprende hein LF

D: é verdade… mas você percebe LF MUIta mistura? conforme as pessoas vão conversa:ndo você percebe que tem muita gente usando palavras do inglê:s e usando palavras do changana no meio do português… você vê essa mistura ou não?

L: sim… vejo alguma mistura sim… vejo alguma mistura e/e/e eu até acho que as pessoas tenham vontade de aprender línguas… diferentes… só que não tem acesso… não tem oportunidade… é por isso que eu tava agora a dizer que olha nós podíamos muito bem… eh/eh… meter/ enquadrar esta/esta… esta/esta… esta disciplina… [ né… =

D:                                                                                                    [ na escola

L: = nas escolas… não somente o inglês porque… a gente vai à uma escola… vai ver… dá português e depois tem uma disciplina de inglês… por que não ter uma disciplina de changa:na?… ter uma disciplina de swahi:li?… ter uma disciplina de sei lá… de uma/de/de/de… chamam de ronga… shitsua… isso… eu acho que/que/que/que podia ser BOM pras crianças vão aprender um pouco de tudo… pelo menos aprender a pedir a água… aprender a pedir água… eu tô a falar isso faz-me lembrar que eu vivi cinco anos na Beira e não sei pedir água com a língua de lá

D2: ((risos)) mas foi porque sua tia não ensinou né?

L: sim… realmente realmente não [ ensinou

D2:                                               [ senão você saberia

L: sim… não ti/não tive oportunidade… eu só sei dizer UMA coisa… eh::… como é que se diz cão em… ai Jesus agora epá fugiu… mas eu vou me lembrar… manambua… manambua… é

01:13:04

D2: é calma?

L: é cão

D2: cão?

D: cão

D2: ah:

L: eu ouvia eles a discutir… dizias pra ele “seu ca/manambua” ((risos)) então eu… “o que é isso?”… quer dizer cão… “ah ele tá a chamar cão a outro?”… opa… isso se usa a insultar as pessoas

D: e você acha que tem MUIta diferença entre o português que se fala lá na Beira e o português que se fala aqui?

L: tem

D: tem? quê que você sente de diferente?

L: eh: o português que se fala na Beira… mistura-se MU:ito com o/o dialeto local/ a língua local lá… eles/eles falam umas três quatro palavras em português e depois incluem o/o/o/a língua local… em algum momento… e:: diferente de cá… aqui a gente fala português fala português… sim… e muito diferente de quando quem fala dialeto local de CÁ… consegue em mo/alguns momentos meter o português no meio… eu tô a falar a/a/alguma coisa com alGUÉM em dialeto e de repente esqueço-me que tô a falar até dialeto e já em/esqueço e meto o/o/o: português no meio… já lá não… é o contrário… é o contrário

D2: uhn e o português de Moçambique… assim como um todo… você acha que tem coisas particulares ou parece muito com o português de Portuga:l… ou tem alguma coisa do Brasi:l… você já percebeu alguma [ coisa assi:m?

L:                              [ olha… por causa das nove:las… agora usa-se um bocadinho do português de Portugal e um bocado do português brasileiro… sim

D2: você tem algum exemplo assim que você lembre não?

L: eh:… eu/ olha eu tenho um exemplo da igreja universal… os obreiros na igreja universal usam mu:ito sotaque portugue/eh/brasileiro

D2: vieram de lá alguns?

L: não

D2: não

L: tem pastores que DÃO às vezes tem/dão/dão formação aqui… e eles/e eu não sei… é/é/é:

01:15:01

 

impressionante… de repente estou a ver um menino de vinte anos meu obreiro está a falar em/e:m… com sotaque brasileiro… e já compareceu uma vez um assim a falar/ a pregar/ a evangelizar-me no meio da rua e eu perguntei “tu és brasileiro?”… ele “não moçambi”  e eu ”e por que tu não tá a falar moçambicano? tá a falar brasileiro por quê?”… “ah mas é português” “sim… mas ANTES de tu nasceres o brasileiro não estava aqui… quando tu nasceste não tinha um brasileiro aqui como que tu tás a falar brasileiro?”

D2: será que são os programas da igreja na [ TV?

L:                                                                  [ eu acho que são os programas da [ igreja

D2:                                                                                                         [ que tem muita universal brasileira

L: tem sim eu parto do princí:pio que português brasileiro e o português… eh::… português de Portugal… tem alguma diferen/diferença por causa do sotaque e algumas gírias… também… mas eh ao mesmo tempo… par/parece-me que nós… como é que eu explico isso? parece-me que nós no/nós/ nós tamos a mi/misturar alguns ingredientes daqui do/do brasileiro COM o/o/o/o/o/o/o/o Portugal… com o português de Portugal que… que depois dá uma coisa bonita né… que a gente fala co:m… com agra:do… e eu às vezes chego em casa quando vejo aquelas novelas não sei o quê… fico assim a/a/a ouvir… o Rodrigo Faro por exemplo… ah Rodrigo Faro diz-me/ diz-me muita confusão às vezes… diz-me muita baralhada… e ele então fica ali a falar a/ aquelas coisas… eu paro assim… per/eu pergunto “F o quê que o Rodrigo disse mesmo?”… então ela diz-me o/o Rodrigo Fa/Faro fa/fala/fala muita besteira… ((risos)) que ele inverte tudo… fala tudo ao contrário… e às vezes eu digo “não… eu acho que é lá… lá fala-se assim”… e ao passo que o/o/o/o português de Portugal tem muita regra… tem muito sujeito pretérito muito coisa… eu digo/tanto mais que eu se tivesse que tar em/em Brasil e ficaria por lá mesmo… sim não tem muita regra pra falar que tem que colocar o acento e tenho que colocar o o/o/a vírgula o cê cedilha o que não sei quantos… então eu acho… eu acho que nos tempos de hoje já não há muito:… como é que eu digo… muito::… tempo… pra ficarmos na procura… “ah aqui falta um cê:”… um/um/um/um/um acento… aqui falta não sei quê… já é escrever e pronto o tempo passou… quem quiser entender entende… eu acho que é assim… acho que não devia ter muita regra… a época do M/M/M aquele/aquele livro que/que/que/que/que mostrava/eu acho que eu ainda tenho em casa as meninas tão a usar… que mostrava as definições e as classificações dos nomes dos pretéritos dos/dos/dos/ mais que perfeito… eu acho que isto até já devia estar abolido há muito tempo… porque com este/este/este/este nível de/de/de/de vida que a gente tem agora já não há tempo pra eu olhar se falta vírgula se falta acento… se fal/já não há tempo pra isso… o que a gente quer é ver as coisas acontecerem

D2: o uso né… não ficar cheio [ de =

01:18:06

L:                                               [ si:m

D2: = você tem vontade de ir ao Brasil? só pra gente terminar a nossa conversa

L: ah… eu gostaria… ir ao Brasil eu nunca viajei

D2: ah… precisa [ viajar =

L:                 [ não eu nunca viajei

D2: = do jeito que você é batalhadora vai pensando nisso

L: não há/ não há condições… gostaria… [ sabem o que eu gostaria?

D2:                                                  [ no futuro… quando seus filhos já estiverem independentes

L: o que eu gostaria muito de fazer… eh::… ir a Portugal primeiro pra ver os meus tios que estão lá… e irmão… eh/é irmã do meu falecido pai… ela já está velhinha velhinha velhinha… eu gostaria muito de/de ver a ela eu vi a ela quando eu tinha três anos… e por incrível que pareça sem eu conhecer assim… só vi na/nas fotos… sem eu falar com ela… assim ao vivo… ela ajudou-me MUITO… eu construí a minha casa com os euros que ela me mandava de Portugal

D2: ah: que bom… é uma referência pra você

L: ela: mandava-me TODOS os meses sete mil meticais… quando as coisas… pronto… os trocados né… em metical… dava sete mil meticais… quando as coisas começaram a/a/a: piorar né… a crise lá em Portugal começo:u a piorar… eh ela foi diminuindo diminuindo até dezembro do ano passado ela ainda mandava-me por aí quatro mil meticais… que me ajudou MUITO na criação dos filhos… então…. eu tenho esta senhora:… que eu sempre oro eu digo “senhor não leva ela tão já… não sei quando é que o senhor me vai dar condiçõ:es… mas eu não gostaria de saber que ela foi e eu não vi a ela”… não gostaria mesmo… ela apoiou-me muito… a minha casa não está acabada mas já tem um teto graças a Deus… e dou graças a Deus a ela

D: que bom

L: ela já tá velhinha… tem problemas de diabe:tes tem problemas com o joe::lho já tá cega de um/de um o:lho… já tá tá com oitenta e tal anos quase/quase noventa anos

D2: ah bastante… e depois então depois de ver sua tia

L: pode ir ao Brasil

D: ((risos)) vá nos visitar no Rio de Janeiro

L: não/ não tem problema… isso so ah/ eu gostaria de tirar uma fé/férias de um ano… só pra passear

D2: ((risos)) eu acho que você ser brasileira heim?

01:20:41

L: férias de um ano eu ia ficar lá seis meses… ia ficar um mês em Portugal seis meses lá e depois voltava pra cá

D: que maravilha… muito bem

D2: está convidada viu?

D: muito obrigada

L: não tem de quê

01:20:53